27 de março de 2013

Pelo celular ... lá na escola: Mobilidade e convergências nos projetos pedagógicos

Sônia Bertocchi e Claudemir Edson Viana

Os "mais vividos", com certeza, devem se lembrar do samba "Pelo Telefone", autoria de Donga, de 1916. E do verso que diz que "o chefe da polícia, pelo telefone, mandou avisar...". Unanimemente, entendemos que avisou via fala, serviço de comunicação verbal próprio desta tecnologia. Parece muito óbvio para nós – mas lembremos o espanto geral que a invenção do telefone causou poucos anos antes: D. Pedro II, ao ver o invento pela primeira vez, durante a feira de Filadélfia nos Estados Unidos em 1876, disse :  "Meu Deus, isto fala!", e logo comprou 100 aparelhos telefônicos para trazer ao Brasil.

Mas, 133 anos depois, falar por meio do celular é apenas uma das ações que esta tecnologia nos permite fazer. Aliás, é a mais simples e corriqueira atividade: falar pelo celular é o que faz aproximadamente 86% da população brasileira possuidora de celular. Com um custo cada vez menor e tecnologias mais avançadas, encontramos celulares que permitem muito mais que simplesmente falar. Em agosto de 2009, segundo a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), atingiu-se o impressionante número de 164,5 milhões de celulares no país, o que representa um índice de densidade de 85,91 celulares para cada 100 habitantes.


Nova sociabilidade: a portabilidade
 

O histórico da evolução material da telefonia, aponta uma nova sociabilidade que emergiu sob o suporte do aspecto portátil do celular. A partir da história do telefone, podemos vislumbrar, sob a perspectiva da materialidade da comunicação, as afetações que um artefato técnico pode trazer à tona em uma determinada cultura, como a da presença significativa do celular na contemporaneidade.

Hoje, pelo celular se pode também escrever, fotografar, filmar, editar, jogar, navegar na Internet, enviar e-mail, torpedos, ouvir música ou rádio. São tantas as possibilidades impensáveis há alguns anos, que podemos imaginar o que diria D. Pedro II se pudesse conferir esta evolução. Este avanço tecnológico da telefonia é mais um exemplo claro do que pensadores da Escola de Toronto (Harold Innis, Eric Havelock, Marshall McLuhan) destacavam sobre o fato das tecnologias comunicacionais possuírem o poder de transformar as culturas e as subjetividades, e de estas, por sua vez, provocarem novos ciclos de mudanças tecnológicas, numa dialética sem fim.

Conforme a 4ª Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Informação no Brasil (TIC Domicílios 2008), realizada pela Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), cada vez mais no Brasil utiliza-se o celular para enviar ou receber imagens, acessar músicas ou vídeos. Esta pesquisa anual pela primeira vez incluiu a análise da área rural e mostrou que, mesmo com a maioria da população utilizando os planos pré-pagos (91%), de 2005 a 2008 subiu de 4% para 24% a utilização do celular com o envio ou recebimento de imagens, e de 9% para 23% com o uso de músicas e vídeos, tendo ocorrido um crescimento mais significativo nos dois últimos anos em razão das conexões 3G e da presença no mercado de celulares mais potentes. Isto demonstra como o uso mais multimídia do celular vem ocorrendo entre os brasileiros graças à sua evolução técnica.

Em outra pesquisa também se constata a forte presença dos celulares entre estudantes brasileiros: dados da publicação A Geração Interativa na Ibero–América: crianças e adolescentes diante das telas - um estudo feito em parceria entre a Universidade de Navarra, na Espanha, a Fundação Telefônica e o EducaRede - apontam para o sucesso do aparelho celular entre os jovens de 6 a 18 anos de idade. Em São Paulo, nada menos que 82% dos estudantes que participaram da pesquisa afirmaram possuir um telefone móvel.

Em alguns contextos sociais, usam-se os aparelhos móveis para outras finalidades que, de normalmente secundárias passam a principais, como câmera, tocador digital ou videogame portátil. Exemplos internacionais deste tipo de uso alternativo são o que demonstram os dados de uma pesquisa feita pelaLightspeed.

No Brasil, um exemplo dessa situação é o que ocorre na cidade potiguar de Barcelona. E são os jovens e as crianças que dão show quando o negócio é usar todos os recursos do celular ou quando mostram não terem medo de explorar o celular para aprender como utilizá-lo. E aí está a diferença. Muitos dos adultos, e em especial os educadores, não conhecem ou não usam estes recursos todos e muito menos visualizam como eles e a cultura deles decorrente podem ser associados às práticas escolares.


Atenção: desligar e guardar os celulares. Celular na escola? Pode?
Tem causado grande polêmica a criação de leis municipais e estaduais que propõem proibições para o uso do celular nas escolas. Nas redes de ensino onde isto já é praticado, justifica-se que só mesmo com a proibição legal garante-se a autoridade do professor que, desta forma, amparado pela lei, pode se fazer respeitar durante suas aulas, proibindo o uso do celular. "Celular na escola, não!", ou como dizem os não tão radicais, "celular durante a aula, não!".

Mas por que mesmo não pode? O vilão da vez

Para responder a esta pergunta, sataniza-se o equipamento, o celular, e destaca-se o quanto os alunos, crianças e jovens, envolvem-se por tudo o que esta tecnologia de informação e comunicação possibilita, deixando assim de se interessarem pelas aulas dos seus professores. Então, neste caso, a opção melhor é mesmo proibir, censurar, pois se trata de uma concorrência desleal, argumenta a maioria. E por isso, os professores aplaudem tal legislação. 

No entanto, com este tipo de censura, perde a educação e perde a sociedade. Sérgio Amadeu, pesquisador de Comunicação Mediada por Computador e da Teoria da Propriedade dos Bens Imateriais, diz que "não tem sentido você proibir que os estudantes tenham acesso a um meio de comunicação que cada vez mais vai adquirir importância na sociedade. Ao contrário, se a gente tem problemas do uso indevido nas escolas, esse é um bom lugar para ensinar como as pessoas devem se portar com o celular". Amadeu ainda ressalta: "Se existem algumas coisas ruins, como por exemplo, a pessoa usar o celular para fazer um joguinho em sala de aula ou para fazer ligações, isso requer uma postura da escola em relação aos alunos. Se é impossível ensinar um comportamento de uso de celular a um estudante, o que será possível?". A professora Andrea Guimarães Phebo complementa: "A lei só vê um lado da questão: o lado da falta de educação e desrespeito da utilização. Se os próprios educadores não tiverem um olhar diferenciado sobre como podem transformar a ferramenta celular de "vilão" em "mocinho", a lei continuará impedindo que este instrumento tecnológico de múltiplas funções possa se transformar em ferramenta didática". (In.  Educarede: As 1001 utilidades de um celular)

Essas legislações passam a seguinte mensagem: quando não se sabe o que fazer ou como lidar com algo é melhor proibi-lo pura e simplesmente! E erram feio mais uma vez: na escola já se proibiu o uso de jogos, de filmes, de gibis, dos periódicos, da televisão e mesmo do computador no processo de ensino-aprendizagem. Agora, o vilão da vez é o celular!


Definitivamente, proibir por proibir não é o melhor caminho, até porque os jovens são criativos o suficiente para burlar as proibições. Um exemplo dessa criatividade é o que estudantes ingleses inventaram:  "Eles criaram um toque de celular, semelhante a um apito, que a maioria dos adultos não consegue ouvir. Com isso, podem receber avisos de mensagens armazenadas no celular, ou até mesmo chamadas, sem que a professora se dê conta da infração cometida bem à sua frente. O segredo está na freqüência sonora em que o toque é executado: 17 quilohertz, o que resulta num som extremamente agudo. A ciência ensina que a perda gradativa da audição decorrente da idade, ou presbiacusia, começa com a menor percepção dos tons mais altos do espectro sonoro. O toque criado pelos garotos ingleses encontra-se justamente numa faixa do espectro que não é percebida pela maioria das pessoas com mais de 29 anos". (In:  A última travessura: Adolescentes usam toque de celular numa frequência que muitos adultos não escutam. Leoleli Camargo- Veja - Edição 1961 . 21 de junho de 2006.


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